Meditação Evangelho
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31/12/2023 Pe. Adroaldo Palaoro sj Meditação Evangelho Onde está o ‘novo’ do Ano Novo?
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“Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido” (Lc 2,20)

 “Começar de novo...”, diz o refrão de uma conhecida música; pois é exatamente o dom de re-começar, sempre, que nos caracteriza como humanos.

Hoje começamos um Novo Ano. Mas, o que pode ser para nós algo realmente novo? Quem fará nascer em nós uma alegria nova? Quem ativará em nós novos sonhos? Quem ensinará a sermos mais humanos? O decisivo é estar mais atentos ao melhor que se desperta em nós e viver sintonizados com a eternidade de Deus. Esta união com Deus faz com que o tempo seja pleno. Também para nós o tempo pode ser de plenitude na medida em que vivemos unidos a Deus e nos abrimos aos irmãos pelo amor. Pois o amor é o que faz com que o tempo deixe de ser enfadonho e caduco e se abra a uma plenitude que se renova cada dia.

Neste início de um Novo Ano, somos impelidos a caminhar para algo novo: novo tempo, novas relações, novos desafios, novas experiências...  Não é este o momento de permanecermos imóveis só porque o caminho está obscuro e inexplorado. O que deve impulsionar a vida cristã atual é a espiritualidade da criação, da iniciativa, do momento presente... Nossa experiência nos diz que todo começo põe em marcha novos recursos, novas atitudes, abre novas possibilidades, amplia nossas expectativas...

Quando celebramos um “Ano Novo”, celebramos precisamente isso, que é “novo”. Somos presenteados com uma nova oportunidade preciosa para superar intrigas, inaugurar tempos de acolhida e perdão, olhar para a frente, despojar-nos de tudo aquilo que não nos faz mais humanos e, se somos cristãos, mais evangélicos, tolerantes e compassivos. Viver em chave de “possibilidade”, “oportunidade” ou “novidade” nos afastam de afirmações estéreis como estas: “sempre foi feito assim”, “eu te disse que não ia funcionar”, não se poderia esperar outra coisa desta pessoa...” Certamente que isso não nos conduz pelo caminho da humildade, de sentir-nos companheiros de caminho, irmãos em missão e, sobretudo, homens e mulheres enraizados na esperança.

A lógica da nossa sociedade de consumo reprime nossa criatividade, nos faz retroceder em nossa humanidade e nos impede de aproximar de toda experiência mais profunda. Marcados por tradições e hábitos caducos, dialogamos com o possível, o já esperado, o já testado, o “sempre fizemos assim”... Por isso, sentimos o desejo do retorno à espontaneidade e de aventurarmos na descoberta de um mundo diferente, ainda que assustador e incerto.  “A princípio, estranha-se. Depois, entranha-se” (Fernando Pessoa).

Porque acreditamos no “novo” é preciso nos afastar de uma ingenuidade alienada, de uma visão pouco perspicaz, de um senso comum que não confia na bondade do ser humano...; caso contrário, nos tornaremos incapazes de ler este “novo tempo” e de oferecer uma proposta criativa, a partir de nossa opção e maneira de viver. Talvez estejamos ainda muito marcados por um clima de ódio e de suspeita, de divisões nos relacionamentos, de identidades pouco éticas, de narcisismos institucional ou pessoal, de incapacidade para alegrar-nos com quem se alegra, de relações doentias que aumentam as distâncias e a frieza diante de quem pensa, sente e ama de maneira diferente.

Tais atitudes insanas escondem algo que é mais triste: a falta de propostas à luz do Evangelho, de liderança humanizadora, de criatividade mobilizadora dos nossos melhores recursos... Quando isso não acontece, mergulhamos na segurança do “costumeiro”, confundimos poder com autoridade, acreditamos estar em posse do monopólio da verdade, provocamos confusão de funções...; tudo isso nos enreda na mediocridade da vida e mata a criatividade.

Sem dúvida, o “Ano Novo” não chega simplesmente pela mudança de alguns dígitos, nem por arrancar uma página do calendário. Talvez o “tempo novo” já esteja começando naquelas pessoas que não negociam valores inegociáveis, não se compactuam para manter uma estrutura social injusta, não se envolvem em “redes sociais” carregadas de “fake News” e mensagens preconceituosos, não fomentam guetos nazifascistas, não estimulam conflitos, mas se abrem à riqueza da pluralidade, respeitam e acolhem o bom que vem dos diferentes, alimentam uma presença que se revela inspiradora, focada na mensagem da Boa Notícia. Dizer “evangelho” é dizer “terra de oportunidades”, o lugar a visão teológica que nos faz amar e compreender que todos “somos”. Bendito “tempo novo” que nos faz recordar tudo isto!

A sabedoria deste Novo Ano vai, progressivamente, ativando uma luz que nos indica, de novo, que o caminho é de Deus e que Ele nos convida a nos deslocar, a entrar em sintonia com seus sinais surpreendentes, a colocar-nos em caminho como os pastores em direção à Gruta, onde um Menino os espera; ali, ficam assombrados pela Vida que se visibiliza nas margens, abrindo um horizonte de sentido para todos.

Para iniciar este Novo Ano, nada melhor que ativar a atitude contemplativa dos pastores na Gruta em Belém: “viram o Menino”. E isso fez toda a diferença. Tudo se tornou “novo”; voltaram para o cotidiano do pastoreio carregando uma presença na memória. O sentimento de gratidão aflorou: “voltaram glorificando e louvando a Deus”.

Quem contempla a realidade com os olhos simples dos pastores, não faltarão ocasiões para reconhecer a criatividade de Deus em ação, a inovação do Espírito movendo corações, criando cenários novos, mais humanos, com mais profundidade, mais do Reino... A experiência de colocar-nos a caminho, a abertura ao mistério, o fato de estarmos conectados, despertos e abertos à passagem de Deus, permite que Sua Graça desbloqueie as nossas amarras interiores e nos mobilize a uma presença diferenciada, no deserto da vida.

Por isso, o sentimento dominante que precisa ser ativado neste momento de transição é a da gratidão.

Sabemos que a gratidão autêntica constitui uma unidade íntima com a vida, flui com ela. Nasce e se apoia na compreensão de que, para além dos juízos que nossa mente possa fazer, tudo é graça.

A gratidão, como força que esvazia nosso ego, nos faz tomar distância de nossos pequenos interesses e nos abre à compreensão profunda de que, em último termo, tudo é dom, tudo é dado, tudo é Graça.

Texto bíblico:  Lc 2,16-21

Na oração: Esperança, indignação, coragem.

                   Preciosas atitudes para este novo tempo em que temos o privilégio de viver.

- Você se atreveria assumir tais atitudes?

- Você se arriscaria, por um novo começo?

- Que riscos concretos você se sente chamado a assumir?

Um abençoado Ano Novo feito de promessas, de caminhos... de ternura infantil.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

31.12.23

imagem: pexels.com

 

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