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03/04/2018 Bíblia e Catequese Jonas: um exemplo de texto que não se costuma ler direito
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Muita gente já ouviu falar do profeta Jonas e até acha interessante sua história mas as pessoas costumam ficar ligadas a detalhes da narração sem perceber com que estilo literário estão lidando e qual é a grande mensagem que o texto quer comunicar. Experimente perguntar a alguém quem foi Jonas (ou procurar imagens de Jonas no Google). A imensa maioria vai dizer que Jonas é aquele “que foi engolido pela baleia”. O primeiro (mas não muito importante) erro aí é que o texto fala em “peixe”, não em “baleia”. Da real mensagem do texto pouca gente falará – e ela é muito interessante - mas só pode ser percebida se o texto for lido a partir do contexto em que foi criado e da percepção do gênero literário utilizado. 

O livro de Jonas é uma parábola sapiencial e irônica que aproveitou o nome de um profeta citado de passagem em 2 Rs 14,25. Foi escrito séculos depois, após a volta do exílio da Babilônia, quando os governantes, para proteger a identidade religiosa do povo, queriam que os judeus se separassem dos estrangeiros com que haviam se relacionado. Quem  escreveu a história de Jonas queria dizer que os estrangeiros também podiam se converter e agradar a Deus. Jonas é chamado para ir a Nínive, símbolo de antigos inimigos, e anunciar um castigo de Deus para aquela população.  Mas Jonas não quer ir. Se Deus os vai castigar, tudo bem! Para que avisar? Então entra num barco, cheio de marinheiros não judeus,  que vai na direção oposta. Uma tempestade ameaça a todos na embarcação. Ironicamente, o autor apresenta os marinheiros pagãos  orando, mais prontos para servir a Deus que o próprio Jonas. Quando se percebe que Jonas é o responsável pelo desastre, mesmo com muita hesitação dos marinheiros, ele é lançado ao mar. É engolido pelo peixe, fica 3 dias (número simbólico) dentro dele  e depois é vomitado na praia de Nínive. Lá, não tendo outro jeito, começa a anunciar as desgraças que vão vir para aquele povo. Mas os ninivitas se convertem, clamam a Deus, fazem penitência, e nenhuma das ameaças se concretiza. Em vez de ficar feliz porque seu anúncio salvou um povo, Jonas fica aborrecido, sentindo-se desmoralizado. Muito irritado, diz a Deus que é melhor morrer do que ver tal resultado da sua pregação. Ele quer descansar e Deus providencia uma mamoneira para lhe dar sombra e refrescar sua cabeça. Jonas gostou da mamoneira mas, no dia seguinte, Deus enviou um verme que a fez secar e  nosso profeta ficou de novo muito irritado pedindo a morte. O texto termina com uma pergunta que combina bem com a ironia da história. É Deus dizendo a Jonas: você ficou com pena da mamoneira que você não criou e eu não terei pena de Nínive , esta enorme cidade onde moram mais de cento e vinte mil pessoas? (120 000 é número simbólico: 12 – número que indica povo – x 10 x 1000 , ou seja: um grande povo que também é formado por pessoas evidentemente criadas por Deus)

É uma história ótima para perceber vários tipos de recursos usados na escrita da Bíblia. Temos aí:

- uma história inventada para comunicar uma verdade importante (Deus se importa com todos os povos)

- uma mensagem que questiona o que estava acontecendo no momento (estrangeiros sendo rejeitados e expulsos)

- uso de números simbólicos: além do 120 000, temos o 3 que significa algo que aconteceu para valer, confirmadamente (por exemplo: Pedro nega Jesus 3 vezes e depois declara 3 vezes que o ama; Jesus fica enterrado por 3 dias e chama isso de “sinal de Jonas” - Mt 12,39-40); o povo tem 40 dias para se converter (40 é um número que indica o tempo necessário para que algo produza efeito, como os 40 dias de Jesus no deserto, os 40 dias de chuva no dilúvio, o tempo de Moisés no Sinai...) 

O mais importante não é ficar discutindo os detalhes mais surpreendentes da história. Bom mesmo é perguntar: o que posso aprender com isso? O que Deus está querendo me dizer com essa história? 

Em vez de ficar discutindo o tamanho do peixe, poderíamos pensar nos 3 dias de Jonas dentro dele. É uma maneira simbólica interessante de dizer: a consciência de Jonas lhe dizia uma coisa, mas ele teve medo e quis fugir da responsabilidade; então ficou em crise, no escuro, se sentindo mal. Será que já não vivemos esse tipo de crise? Cada vez que não seguimos nossa consciência temos uma sensação de mal estar... Mas Deus lhe deu outra oportunidade, jogando-o na praia de Nínive. Quando reconhecemos nossas faltas e nos dispomos a fazer o que a consciência pediu, saímos da crise, da “barriga do peixe”. 

Outra mensagem importante é: Deus não quer condenar, ele quer salvar. Quando um bom pai ameaça castigar um filho ele não se sente derrotado porque o garoto passou a se comportar melhor e o castigo teve de ser anulado. Isso é, ao contrário, a grande vitória, o efeito pedagógico de uma ameaça que não vai precisar ser cumprida. Estamos sabendo apresentar um Deus que quer nos transformar em pessoas melhores ou um juiz que nos ameaça? 

O livro de Jonas foi o primeiro a ser citado na cartilha ecumênica “Diversidade e Comunhão” porque esse cuidado de Deus com outro povo é um convite para perceber possibilidades de salvação fora do nosso grupo. A pergunta final de Deus mostra que Ele não excluiu os ninivitas de seu amor paterno. 

A história de Jonas é curta, são só 3 páginas. Não é exatamente adequada para catequese infantil, embora costume aparecer bastante nas chamadas “Bíblias para crianças”. Mas é um bom texto para ajudar adultos a compreender melhor os recursos e estilos literários da Bíblia e para refletir sobre o que um Deus criador de todos realmente quer: salvação e não rejeição, acolhimento do diferente, fidelidade aos chamados da nossa consciência. 

Costumamos ler as notas de rodapé e as introduções de cada livro bíblico para ir percebendo melhor como funciona a linguagem das Escrituras? 

Jesus também contava histórias quando queria ensinar o que Deus deseja de nós. Além das parábolas bíblicas, sabemos usar outras histórias com boas mensagens na catequese? 

Percebemos a dimensão ecumênica da mensagem do livro de Jonas? Que outras passagens bíblicas nos ajudariam a cultivar um bom relacionamento com os irmãos de outras Igrejas e tradições religiosas? 

Therezinha Motta Lima da Cruz

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