Conteúdos da doutrina transmitidos na Iniciação à Vida Cristã
A Iniciação à Vida Cristã com inspiração catecumenal resgata o processo de formação integral da pessoa desde o desperta da fé por meio do anúncio de Jesus Cristo, passando pelo aprofundamento regular e ordenado da mensagem que anúncio (kerigma) contém culminando no testemunho vivencial da adesão à comunidade de fé.
Por isso se afirma que “a doutrina cristã, como o próprio termo indica, é arte de sempre apontar para Cristo Jesus, que, por meio de sua própria vida, educou seus seguidores com gestos concretos e palavras que conectavam a vida com a fé”.[1]
O Papa são João Paulo II, na Exortação Apostólica pós-sinodal Catechesi Tradendae, afirma que “a catequese há de extrair sempre o seu conteúdo na fonte viva da Palavra de Deus, transmitida na Tradição e na Escritura” (CT, n. 27). A consequência disso é a compreensão de que o aprofundamento das verdades da fé em Jesus Cristo suscitadas pelo anúncio (kerigma) é um conteúdo vivido, narrado e registrado no cânon bíblico, que a comunidade cristã da primeira hora testemunhou, guardou e transmitiu de geração em geração.
Em linguagem catequética se afirma: “A fonte da evangelização e catequese é a Palavra de Deus”.[2] E completando com as palavras do Papa João Paulo II: “O ensino, a liturgia e a vida da Igreja brotam desta fonte e a ela conduzem, sob a guia dos pastores e principalmente do magistério doutrinal que o Salvador lhe confiou” (CT, n. 27).
O importante é assimilar que, o conteúdo que a Igreja transmite em suas iniciativas pastorais, ações de evangelização e na catequese propriamente dita é uma mensagem de vida e salvação que é resultado da interlocução pessoal com Jesus Cristo, centro e conteúdo da mensagem a ser conhecida e aprofundada.
O Papa são João Paulo II, reunidos com os catequistas do Brasil, no ano de 1980, em Porto Alegre, ensinou o seguinte:
Quem diz “mensagem”, diz algo mais do que doutrina. Quantas doutrinas de fato jamais chegam a ser mensagem! A mensagem não se limita a propor ideias: ela exige uma resposta, pois é interpelação entre pessoas, entre aquele que propõe e aquele que responde. A mensagem é vida. Cristo anunciou a Boa Nova, a salvação e a felicidade. A eficácia da catequese, por conseguinte, dependerá em grande parte desta sua capacidade de dar um sentido, o sentido cristão a tudo aquilo que constitui a vida do homem em seu tempo, homem entre os homens, cidadão entre cidadãos.[3]
Em nossos dias, temos como tarefa da catequese o aprofundamento coerente da fé, que foi despertada pelo anúncio (querigma), mas que carece de sentido para a dimensão concreta da vida, como explica são João Paulo II, para que cada pessoa seja capaz de ler com as lentes da fé as múltiplas realidades que compõem a vida do homem e da mulher do século 21.
Para que a mensagem seja compreendida, assimilada na mente e no coração, a Iniciação à Vida Cristã dispõe dos pilares da doutrina cristã, que encontram sua fonte no relato bíblico do Mistério Pascal de Jesus Cristo, foram desenvolvidos pela Tradição, sistematizados pelo Magistério da Igreja e estão compilados no Catecismo da Igreja Católica, distribuídos em quatro partes: a profissão da fé (o Credo); a celebração da fé (liturgia e Sacramentos); a vivência da fé (a vida moral em Cristo) e o alimento da fé pela oração (Pai Nosso).
O Catecismo da Igreja Católica
O Catecismo da Igreja Católica foi publicado pelo Papa são João Paulo II, em 1992, através da Constituição Apostólica Fidei depositum para guardar o depósito da fé. Na Constituição, o papa explica:
Um catecismo deve apresentar, com fidelidade e de modo orgânico, o ensinamento da Sagrada Escritura, da Tradição viva na Igreja e do Magistério autêntico, bem como a herança espiritual dos Padres, dos Santos e das Santas da Igreja, para permitir conhecer melhor o mistério cristão e reavivar a fé do povo de Deus.[4]
O Catecismo da Igreja Católica não é o único livro que contém as verdades da fé a serem conhecidas e transmitidas, ou seja, não contém a totalidade da doutrina. Outras tantas obras da Igreja servem para o exercício da catequese e para o argumento do ensino das verdades da fé. Nossa intenção neste estudo é apresentar de maneira sucinta os principais conteúdos da fé presentes nas quatro partes do Catecismo da Igreja Católica.
O Diretório para a Catequese afirma:
O Catecismo, que faz referência à globalidade da vida cristã, sustenta o processo de conversão e amadurecimento. [...] O conhecimento daquilo que trata o Catecismo não é, portanto, abstrato: sua própria estrutura quadripartida, na verdade, harmoniza fé professada, celebrada, vivida e rezada, ajudando a encontrar Cristo, ainda que de modo gradual.[5]
Na inspiração catecumenal, após o Tempo do Anúncio (Pré-catecumenato), celebrado o Rito de Admissão, o Tempo do Catecumenato será dedicado ao aprofundamento do núcleo da fé cristã. Para este Tempo de conhecimento sistemático, progressivo e gradual da fé em Jesus Cristo, o Catecismo da Igreja Católica oferece os temas principais para a formação de catequistas.
O Credo: a fé professada
O Credo é profissão de fé. Identifica o fiel à sua tradição e comunidade religiosas. Nele estão contidos os conteúdos do Kerigma, por isso, é tão necessário ser conhecido para ser bem celebrado e vivido.
O teólogo André Fossion explica que O Credo, com efeito [...], longe de bloquear a comunicação no dogmatismo, fala do mistério da comunicação. Fala de um Deus que é, em si mesmo, uma unidade amante de comunicação (a Trindade), que se comunica (história da salvação) e faz viver em comunicação (a vida humana e seu desenvolvimento o possível na fé). Assim, a partir do Credo, é o conjunto do mistério cristão que pode ser compreendido como mistério da comunicação em Deus, de Deus e segundo (no Espírito de) Deus.[6]
Nestes termos, podemos perceber a estrutura rica e densa que compõe o Credo cristão, deixando evidente que seus artigos tratam da origem, manutenção e destino da vida criada em Deus criador, redentor e santificador.
A educação da fé passa pelo conhecimento dos princípios e verdades da religião cristã, mas estará sempre intimamente ligada com sua fonte primordial, o relato bíblico, vivido e narrado por um povo no qual Deus se revelou. A fé, como atitude individual de abertura à graça de Deus, é uma realidade possível de ser conhecida e argumentada. Mais que isso, fala-se hoje de fé inteligente. Vejamos:
Um dos maiores desafios da catequese de hoje é o da inteligência da fé. Uma catequese orgânica e sistemática que convida os cristãos a ser capazes “de dar razões de sua fé” tanto a seus próprios olhos quando no diálogo com os outros [...]. Poder “dar razão da fé” é também se mostrar capaz de expressar novamente de maneira pessoal a fé de todos, simbolizada pelo Credo.[7]
Vale ressaltar, ainda, que liturgicamente o Credo é conhecido como símbolo, porque é um resumo da fé cristã com base nos relatos da Sagrada Escritura. As verdades da fé escritas nos artigos que compõem o Credo estão intimamente ligadas com o conteúdo do Kerigma e com o grande depósito da fé contido na Palavra de Deus.
A liturgia e os Sacramentos: a fé celebrada
A Tradição da Igreja acredita que a fé celebrada é a fé acreditada e a fé acreditada é a fé celebrada. Lex orandi lex Credendi: a norma da oração estabeleça a norma da fé. No processo de Iniciação à Vida Cristã, e não apenas nele, o serviço de rezar a fé é prestado pela liturgia.
A Palavra LIT – URGIA vem da língua grega: laos = povo e ergon = ação, trabalho, serviço, ofício...Unindo os dois termos que formam a palavra, encontramos a raiz mais profunda do significado da LITURGIA, ou seja: AÇÃO, trabalho, serviço do povo e realizado em benefício do povo, isto é: um serviço público, como dizemos hoje.[8]
Deste modo, a liturgia é o espaço onde os fieis devem sentir-se à vontade para celebrar o que conhecem. Do contrário, a atenção se desvia para o irrisório de conhecer apenas quem está celebrando comigo e não o que estamos celebrando juntos. A comunidade celebrante dá o sabor da fé que confessamos, da mesma forma que os comensais saboreiam os primeiros frutos da colheita.
Pela Liturgia a comunidade vive e celebra os sinais da fé através dos sacramentos e sacramentais com a função de comunicar e entregar aos candidatos a graça divina. O sacramento é sinal visível da graça invisível, de acordo com são Tomás de Aquino. A função comunicadora destes sinais é a grande oferta da comunidade de fé e seu momento mais forte de catequese.
A inspiração catecumenal faz da ação catequética um modo de ser Igreja alegre, celebrativa e orante. A Tradição considera que as celebrações sejam oferecidas para guardar o modo de ensinar a fé. As celebrações de maior relevância são:
- Rito de Admissão;
- Rito da Entrega do Credo, da Oração do Senhor e dos Mandamentos;
- Rito de Eleição;
- Escrutínios e Exorcismos;
- Celebração dos Sacramentos.
A comunidade de fé é a responsável pela transmissão da fé em seus momentos celebrativos, garantindo a harmonia e participação de todos e todas em seus ritos e festas de comunidade.
A vida moral em Cristo: a fé vivida
O Kerigma carrega consigo um modo divino de ser: a quênosis. Ela se manifestou na humildade do Verbo encarnado ao encontrar e assumir a realidade humana frágil e esquecida. Escreveu são Paulo aos Filipenses: “Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus: Ele, estando na forma de Deus não usou de seu direito de ser tratado como um deus mas se despojou, tomando a forma de escravo” (Fl 2,5-6).
A moral cristã é um modo de vida escolhido como confirmação de um projeto maior. De todo modo, é bom conhecer e entender melhor o que é moral. Para Pe. Márcio Bolda da Silva, é necessário
explicitar que a concepção mais elementar de moral, subentendida nas nossas vivências, está escorada na constatação de que existe entre nós um fenômeno comum: a ação, o agir, o comportamento, a conduta, a práxis [...]. Não paramos aí, pois o problema intrincado surge quando o juízo, o julgamento, de fato, se convertem em juízo moral. Isso aparece no momento em que começamos a avaliar que certo tipo de comportamento ou de ação é bom ou mau. É nesse momento que a ação já não é mera ação humana... A ela é acrescida a qualidade determinante de ser ação moral.[9]
O conteúdo da moral cristã tem sua base nas Bem-Aventuranças, como projeto do Reino de Deus, e ganham forma na estrutura dos Mandamentos, guardando no centro a vida, dom de Deus = Não matar! Antonio Pagola, ao comentar o conteúdo das Bem-Aventuranças, explica que
a moral não consiste em cumprir leis impostas arbitrariamente por Deus. Se Ele quer que demos ouvidos às exigências morais que levamos dentro do coração, é porque seu cumprimento é bom para nós. Deus não proíbe o que é bom para o ser humano nem obriga ao que pode ser prejudicial. Ele só quer o nosso bem.[10]
A terceira parte do Catecismo apresenta, portanto, os modos que o ser humano possui de alcançar o seu fim último: viver bem, porque é criado à imagem e semelhança de Deus. Viver bem com a ajuda da fé é a resposta que o mundo precisa diante de tantas atitudes que maltratam, condenam e matam a vida de crianças, mulheres, idosos, imigrantes, pessoas esquecidas pela sociedade, que vivem na periferia dos interesses dos poderosos. Um só é o desejo de Deus e a causa pela qual cristãos e cristãs devem gastar a sua vida: a vida plena para todos (Jo 10,10).
A oração: a fé rezada
A última parte do Catecismo da Igreja Católica é uma verdadeira escola de oração. Nela está explicada o modo como a pessoa humana estabelece sua relação com Deus. Como reza o salmista “a minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo: quando voltarei a ver a face de Deus?” (Sl 42,3), ou ainda, “das profundezas eu clamo a ti, Senhor: Ouve o meu grito! Que teus ouvidos estejam atentos ao clamor da minha oração!” (Sl 130,1-2), a oração é instrumento de comunicação com Deus.
O Diretório para a Catequese afirma que “a catequese tem a missão de educar à oração e na oração, desenvolvendo a dimensão contemplativa da experiência cristã. É preciso educar a orar com Jesus Cristo e como Ele” (DC, n. 86).
No sentido de ensinar seus fiéis a rezar com qualidade e devoção, o Catecismo apresenta o Oração do Pai Nosso como modelo de vida orante da Igreja. Na Oração do Senhor, como é conhecida, estão presentes as realidades pelas quais o ser humano deseja, mas entregues na vontade e sabedoria do Pai.
Mas, de todos os momentos de oração e intimidade que Jesus teve, ele ensinou a chamar Deus de Pai, com a atitude de confiança, ternura e carinho como tratava as pessoas.
Como conclusão, podemos afirmar que a Iniciação à Vida Cristã contempla o período específico para a transmissão da doutrina cristã, isto é, um período de ensino das verdades da fé, situado num processo ordenado e gradual, favorecendo sempre o exame de consciência e escolhas próprias suscitadas pelo Kerigma, o núcleo da fé, guardado no relato das Escrituras, especialmente o testemunho dos Apóstolos acerca da pessoa de Jesus Cristo.
Ariél Philippi Machado
(Catequista na Arquidiocese de Florianópolis (SC), teólogo e especialista em Iniciação à Vida Cristã)
[1] https://www.catequesedobrasil.org.br/noticia/a-doutrina-da-fe-e-a-iniciacao-a-vida-crista-i--29072023-104429
[2] Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Diretório Nacional de Catequese. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2006. p. 45. [Doc. 84, n. 25]
[3] JOÃO PAULO II. Homilia na Missa para os catequistas (Porto Alegre, 05/07/1980). Disponível em: < https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/homilies/1980/documents/hf_jp-ii_hom_19800705_portoalegre-brazil.html >. Acesso em: 27 jul. 2024.
[4] Constituição Fidei Depositum, n.
[5] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese. São Paulo: Paulus, 2020. p. 134. [DC, n. 190]
[6] FOSSION, André. O Deus desejável: proposição da fé e iniciação. São Paulo: Loyola, 2015. p. 128.
[7] FOSSION, 2015, p. 143.
[8] CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Liturgia em mutirão: subsídios para formação. Brasília: CNBB, 2007. p. 7.
[9] SILVA, Márcio Bolda da. Parâmetros de fundamentação moral: ética teológica ou ética filosófica? Petrópolis: Vozes, 2005. p. 14.
[10] PAGOLA, José Antonio. O caminho aberto por Jesus: Mateus. Trad. Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 69.