Iniciação à vida cristã
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20/12/2022 Ariél Philippi Machado Iniciação à vida cristã O Ano Litúrgico e Iniciação à Vida Cristã: itinerário de santificação do tempo e de nossa existência
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Ariél Philippi Machado

 

A dimensão litúrgica da fé se compõe de sinais, de símbolos, de gestos e de ritos que proporcionam a comunicação e a união das pessoas que celebram entre si e delas com Deus.[1] A catequese contribui para a devida iniciação litúrgica, explicando as razões da fé e educando para a participação ativa das pessoas presentes nas celebrações da comunidade.

Dando mais um passo para a compreensão da unidade entre catequese e liturgia, falamos de catequese mistagógica, que se preocupa em enriquecer os encontros de catequese com a valorização dos símbolos, dos sentidos e da contemplação. Uma vez que a catequese, por muitos anos, se estabeleceu como um espaço de aulas e conteúdos. Mas, a transmissão da fé depende da abertura ao mistério de Deus que se revela de múltiplas formas. 

Sobre a catequese mistagógica precisamos destacar duas características, que se tornam posturas de um(a) catequista mistagogo(a): “a necessária progressividade da experiência formativa e uma renovada valorização dos sinais litúrgicos da iniciação cristã”.[2] Vamos destacar aqui, a expressão progressividade, que está relacionada com crescimento, desenvolvimento, continuidade. 

Assim, conseguimos unir progressividade e o sinal do tempo para falarmos de Ano Litúrgico enquanto experiência sacramental do tempo. Sacramental porque os ciclos do Ano Litúrgico se dedicam a evidenciar algum mistério da vida de Jesus Cristo que nos comunica e nos alcança a graça da salvação.

Por uma iniciação ao tempo: krónos versus kairós 

O tempo (krónos) também é um sinal litúrgico-sacramental que comunica a presença de Deus em nosso meio. Pelo mistério da Encarnação, o divino visita o humano, o eterno ingressa na transitoriedade do tempo. Com Jesus Cristo presente, a graça divina ganha rosto, atitudes, gestos e palavras humanas para comunicar a salvação. Este o entendimento de tempo kairológico (kairós), pelo qual a ação divina se manifesta pelas relações e experiências humanas. 

Compreendendo estes conceitos, precisamos acolher a cultura dos nossos catequizandos, que o Diretório para a Catequese chama de nativos digitais ou imigrantes digitais,[3] para evidenciar que nossa sociedade é arcada pela presença das telas, da digitalização da comunicação e da tecnologia da informação. 

A catequese mistagógica que busca unir progressividade e sinais litúrgicos deve se preocupar com uma maneira nova e atraente para a iniciação ao tempo. As primeiras páginas da Bíblia narram uma sucessão de dias e, em cada um deles, uma obra nova da criação. Esta pedagogia catequética da progressividade não é à toa. Quer evidenciar a íntima relação dos dons da criação e a necessidade mútua para que a vida se sustente. 

Em outro ensinamento sobre o tempo, o livro de Eclesiastes tem um ensinamento muito caro para os nossos dias: “Para tudo há um momento, há um tempo para cada coisa debaixo do céu. Deus pôs no coração humano o sentido do tempo mas sem que ele chegue a conhecer o princípio e o fim da ação que Deus realiza” (Eclo 3, 1.10). 

Estes dois ensinamentos bíblicos ajudam a compreender que o tempo é um mistério de revelação da ação de Deus em nossa vida. Quando paramos para um sincero exame de consciência, damo-nos conta das maravilhas, das bênçãos, da misericórdia de Deus que se manifesta em nossa história de vida. Da mesma forma, com os olhos da fé, podemos contemplar a presença de Deus conduzindo a humanidade, desde os primórdios até os nossos dias. 

A necessidade de uma iniciação ao tempo se justifica pois a primeira comunicação de Deus é por meio da obra da criação, com seus elementos e dons para o sustento dos seres vivos. No decorrer dos anos, aprendemos a buscar o próprio alimento, sem depender da ajuda dos familiares e pessoas próximas. Mas, em toda situação, os alimentos têm origem na bondade e na generosidade do Criador. 

O tempo apresenta sua própria catequese composta de ciclos, cores, frutos e outros dons que usamos para transmitir a fé. “Essa é a mensagem de fé que a catequese ajuda a descobrir, mostrando sua realização no ritmo cíclico do ano litúrgico e nos elementos naturais assumidos pela liturgia”.[4]

A catequese mistagógica sobre o tempo ajudará na educação dos sentidos, da sensibilidade, da contemplação para acolher o mistério da ação divina que entrelaça as realidades humanas para torná-las mais plenas de sentido. Muitos fatos de nossas vidas acontecem contra a nossa vontade ou contra o nosso planejamento. São nesses momentos que a catequese mistagógica saberá ler cada um desses fatos com os olhos da fé, para responder como Deus se revela e qual sua mensagem para aquela circunstância.

O tempo no Ano Litúrgico

Todo ensinamento da liturgia é que Cristo caminha conosco através dos gestos, dos sinais, das atitudes. A participação de cada fiel nos sacramentos da Igreja é uma busca constante de formatar a própria vida com a vida e o projeto de Jesus Cristo. 

A pedagogia da progressividade é o caráter essencial do Ano Litúrgico. O conjunto das celebrações, a organização dos textos bíblicos, o sinal das cores, a entonação das músicas, e tantos outros detalhes expressam a nossa expectativa pela santificação da nossa existência como de todo o cosmos.A centralidade do Ano Litúrgico é o Mistério Pascal de Jesus Cristo, sua vida, paixão, morte e ressurreição. Deste mistério brotam os sacramentos, os sacramentais, as celebrações e as festas nos comunicam a graça e a salvação divinas.

Existe uma catequese mistagógica do Ano Litúrgico, que conduz os fiéis à santificação, pelas ações da Igreja por meio do Espírito Santo. Assim, a função do Ano Litúrgico é tornar presente o mistério de Cristo no tempo humano para ser vivenciado no cotidiano. Para expressar este caráter catequético, o Ano Litúrgico é dividido em ciclos: 

Ciclo do Natal: que é composto do Tempo do Advento e do Tempo do Natal, caracterizado pela alegre expectativa da chegada do Menino Jesus e pela manifestação plena de Deus Encarnado entre a humanidade no mistério do Natal. 

O Tempo do Advento tem início no Primeiro Domingo do Advento, que marca inclusive o início de um novo Ano Litúrgico. 

O Tempo do Natal inicia com a oração das Primeiras Vésperas (Liturgia das Horas) do Natal do Senhor (24 de dezembro). 

Neste ciclo, o Tempo do Advento se caracteriza pela cor roxa, para comunicar o recolhimento e a revisão de vida, e o Tempo do Natal pela cor branca, expressando a alegria. 

Ciclo da Páscoa: formado pelo Tempo da Quaresma e pelo Tempo Pascal, caracterizado pela revisão de vida, pela conversão dos erros e dos pecados e pela preparação das festas pascais e recepção dos sacramentos de iniciação (catecúmenos e catequizandos). Também é próprio deste ciclo a celebração da Páscoa durante o Tríduo Pascal, com seu ápice na Vigília Pascal. 

O Tempo da Quaresma inicia na Quarta-feira de Cinzas e se estende até a Missa da Ceia do Senhor (exclusive), na Quinta-feira Santa.

O Tríduo Pascal é composto da Missa da Ceia do Senhor (Quinta-feira Santa), da Liturgia da Paixão do Senhor (Sexta-feira Santa), do Sábado Santo e da Vigília Pascal. 

O Tempo Pascal dura cinquenta dias, desde o Domingo da Ressurreição até o Domingo de Pentecostes, quando se celebra a manifestação da Igreja de Cristo ao mundo.

Neste ciclo, o Tempo da Quaresma se caracteriza pela cor roxa, símbolo de penitência e conversão, e o Tempo Pascal pela cor branca, sinal da vitória e da vida nova. 

Dentro do Ciclo da Páscoa também aparece a cor vermelha, na Paixão do Senhor e em Pentecostes, para simbolizar o martírio de Cristo e o fogo do Espírito Santo. 

O Tempo Comum: este Tempo possui duas partes destinadas a saborear e transmitir os dons que brotam do Mistério Pascal de Cristo. 

A primeira parte do Tempo Comum é situada entre o Batismo do Senhor e a Quarta-feira de Cinzas. 

A segunda parte do Tempo Comum segue desde a segunda-feira após Pentecostes até o início do Advento do Ano Litúrgico seguinte.  

O Tempo Comum é caracterizado pela cor verde, que comunica a esperança e a perseverança de anunciar e testemunhar o Reino de Deus.

Em algumas solenidades ou festas de santos, o verde dá lugar ao vermelho, símbolo do testemunho de fé dos mártires, ou ao branco, sinal da pureza da Virgem Maria, de São José, seu esposo e demais santos e santas.

A oração como itinerário de santificação  

O Domingo é responsável pelo compasso do Ano Litúrgico. O Domingo nos faz reviver, toda semana, a mesma experiência dos primeiros discípulos: O Senhor está vivo no meio de nós. Assim, o Domingo é o dia da comunidade de fé, quando as pessoas se reúnem “para, ouvindo a Palavra de Deus e participando da Eucaristia, lembrarem-se da Paixão e da Ressurreição do Senhor e darem graças a Deus” (CIgC, n. 1167). 

O Primeiro Domingo do Advento marca, por isso, o início de um novo tempo, um ano novo para santificar as nossas vidas pela ação do Espírito do Ressuscitado. 

Tendo sempre como referência a Páscoa de Cristo, a Igreja estruturou o Ano Litúrgico em um ciclo trienal (A – B – C) para formar seus fiéis e propor-lhes um itinerário permanente de aprofundamento na fé.

O ciclo trienal é assim composto:

Ano A: orientado pela leitura do Evangelho segundo Mateus, com a mística de formar a Igreja, povo de Deus Pai, na justiça do Reino.

Ano B: guiado pela leitura do Evangelho segundo Marcos, com a mística de apresentar Jesus Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Filho de Deus.

Ano C: conduzido pela leitura do Evangelho segundo Lucas, com a mística de fortalecer a vida cristã por meio do Espírito Santo.

O Evangelho segundo João é reservado para as leituras de solenidades, e especialmente, para o Ciclo da Páscoa. 

Da mesma maneira que a Igreja se preocupou em organizar o ritmo do tempo durante o ano, também é prevista a oração de santificação das horas: o Ofício Divino ou Liturgia das Horas. 

Estes ofícios são organizados com uma coletânea de salmos, hinos, preces, textos espirituais dos Santos Padres, orações e trechos do magistério. 

Com o objetivo de santificar as horas do dia, a Liturgia das Horas está assim organizada: Laudes (oração da manhã ~ 6h); Hora Média (~9h, 12h, 15h); Vésperas (~18h); e Completas (oração do final do dia ~21h). Existe também o Ofício das Leituras, para ser feito a qualquer hora do dia. Mas, em alguns lugares de oração e casas de formação (mosteiros), o Ofício das Leituras é recitado na madrugada, como sinal da oração da Igreja, espalhada no mundo inteiro, em todos os momentos do dia. 

Ariél Philippi Machado 

(Catequista na Arquidiocese de Florianópolis (SC),

teólogo e especialista em Iniciação à Vida Cristã, membro da Rede Lumen de Catequese)

 

[1] https://www.catequesedobrasil.org.br/noticia/a-liturgia-e-a-iniciacao-a-vida-crista-iii--01112019-104252.

[2] FRANCISCO. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Evangelii Gaudium. Brasília, CNBB: 2013. p. 101; N. 166.

[3] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A NOVA EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese. São Paulo: Paulus, 2020. p. 229; N. 362.

[4] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A NOVA EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese. São Paulo: Paulus, 2020. p. 229; N. 330.

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