Catequese Urbana
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12/03/2020 Therezinha Motta Lima da Cruz Catequese Urbana Espiritualidade vivida no ambiente de trabalho
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ESPIRITUALIDADE VIVIDA NO AMBIENTE DE TRABALHO

O grande objetivo da catequese é formar verdadeiros discípulos de Jesus. Mas esse discipulado não se vivencia só no ambiente dos templos. Jesus veio para salvar o mundo. Espiritualidade não é só o que sentimos no que nos acostumamos a chamar de “momentos de oração”. Quem segue realmente Jesus vai perceber a criação e a vida inteira de modo diferente, vai se sentir chamado em cada situação a corresponder ao que a presença de Deus desperta na sua sensibilidade. Precisamos formar cristãos que se manifestem de acordo com essa identidade em todos os ambientes. 

A espiritualidade se relaciona com a descoberta de Deus na vida. D. Helder Câmara escreveu: Estamos mergulhados em Deus como peixes num aquário. Ou seja, quem tem uma profunda espiritualidade vive na intimidade dessa presença em todos as situações da sua vida, sente e comunica a presença de Deus à sua volta. 

Leigos são definidos como gente da Igreja no coração do mundo e gente do mundo no coração da Igreja.  Isso significa que eles se movimentam numa estrada de mão dupla: espera-se que eles tragam para a Igreja a responsabilidade pelas reais necessidades do mundo e levem para as diferentes situações de sua vida a visão cristã que receberam na Igreja. Eles prestam serviço na Igreja mas o ambiente do trabalho profissional de cada um é um espaço que deve ser orientado pelos valores do Reino de Deus.  Assim o trabalho é  um serviço a ser exercido com alegria, competência e fraternidade, vivido continuamente na presença de Deus e direcionado para a construção de um mundo melhor. 

Um livro do rabino Jonathan Sacks (Para curar um mundo fraturado) cita uma frase de John  Ruskin: A maior recompensa para o trabalho do homem não é o que recebe por ele, mas o que se torna por meio dele. Isso não significa, é claro, que devemos ficar indiferentes quando um trabalhador não recebe uma justa remuneração. Mas quando li a frase, lembrei de um médico que atendeu meu neto, um bebê, num hospital público. O menino estava com água no pulmão. Eram 9 horas da noite, fim do expediente, e foi marcada uma cirurgia para ser feita de manhã. O médico saiu e ia para casa, mas dali a 15 minutos voltou. Disse que não conseguiria ter consciência tranquila se deixasse tudo para o dia seguinte e operou o menino de noite, fora de seu horário de trabalho. Ele mostrou a todos nós o respeito que tinha por uma vida humana e a maneira como entendia a sua profissão.

Um trabalho vivido com a intenção de servir, ajudar e trazer benefícios a outros traz importantes características para a personalidade de quem nele se envolve. Como o grande objetivo da catequese é formar gente comprometida com o projeto do Reino, esse tema é relevante e deve ser bem apresentado. 

Adultos devem ser animados na catequese a estar com Jesus no seu ambiente de trabalho. Com crianças e jovens podemos conversar sobre o tipo de trabalho que no futuro esses catequizandos gostariam de ter. Grandes perguntas aí seriam: Como o exercício dessa profissão faria vocês se sentirem bem? Que marcas o trabalho de vocês deixaria na vida de outras pessoas? Como a fidelidade a Jesus estaria presente nesse tipo de atividade?

Marcos Barbosa escreveu um poema que diz: Varredor, que varres a rua, tu varres o Reino de Deus. Essa frase, na catequese, poderia inspirar reflexões sobre os dois aspectos: uma valorização desse e de outros trabalhadores e um incentivo para que cada um veja sua profissão como um instrumento para melhorar a vida na sociedade. Poderíamos propor que os catequizandos criassem muitas outras frases dentro do mesmo espírito. Por exemplo: Enfermeira, que cuidas do doente, tu trazes saúde ao Reino de Deus… Caminhoneiro, que transportas o que precisamos, tu abasteces o Reino de Deus… Cozinheira, que fazes comida, tu alimentas o Reino de Deus… Pedreiro, que constróis casas, tu dás abrigo para o Reino de Deus… As frases poderiam ser ilustradas em cartazes com desenhos ou notícias de jornal. Alguns trabalhadores poderiam ser entrevistados. Conversas podem ser feitas em casa sobre a profissão dos parentes mais próximos.

Mas também é importante refletir sobre os direitos dos trabalhadores. Esse é um assunto bem presente na Bíblia. Até a instituição do sábado como dia do Senhor não visava somente o culto ao Criador. Era dia de descanso para que os trabalhadores, mesmo escravos (como era comum na época), também tivessem seu dia de folga (veja em Dt 5,12-14). Era uma época de costumes diferentes, onde se aceitava até escravidão, mas Deus já estava comunicando leis de proteção. Por exemplo: o escravo deveria ser libertado ao chegar o que seria o sétimo ano anos de serviço, mas não podia ser despedido sem recursos para sobreviver (veja em Dt15,12-15) ; o que sobrava das colheitas deveria ser distribuído  para os necessitados e migrantes; o salário do trabalhador não podia ser pago com atraso (Dt 24,14-15). 

Naquela época tudo isso já era um avanço. Hoje, é claro, com o progresso já conquistado pela consciência social da humanidade, Deus quer ver entre nós uma justiça bem maior no mundo do trabalho. As características dessa nova exigência de justiça também precisam ser trabalhadas na catequese. Somos todos uma grande família onde todos têm que cuidar bem de todos. Os temas de nossas Campanhas da Fraternidade devem ser lembrados para que os catequizandos percebam que a busca da justiça social faz parte do nosso compromisso de fé, precisa ser vivida como parte da nossa espiritualidade.  

O Documento de Aparecida afirmou: A santidade não é fuga para o intimismo ou para o individualismo religioso, tampouco abandono da realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo, e muito menos fuga da realidade para um mundo exclusivamente espiritual. DAp 148

São João Crisóstomo já dizia: Não se deve separar o sacramento do altar do sacramento do irmão 

A partir dessas e outras reflexões, podemos pedir aos catequizandos que imaginem como seria um mundo onde os trabalhadores, de todos os ramos,  percebessem seu trabalho como parte da missão de servir fraternalmente ao Reino de Deus. Aí serviriam com amor, responsabilidade e alegria. Mas o mundo ficaria diferente também se cada trabalhador fosse respeitado, valorizado, atendido nos seus direitos humanos. 

Aí estaríamos comunicando o que diz Edward Schillebeeckx ( no livro História humana, revelação de Deus): Fora do mundo não há salvação...O meio ambiente em que a fé cristã pode prosperar e se transmitir não é apenas a comunidade viva de fé ou a igreja, mas também o mundo, a experiência diária da vida humana na história concreta em que se inserem os homens. Dizer que a salvação vai ser feita no mundo  não é propor que sigamos as orientações e os valores pouco cristãos que vemos na sociedade, é um chamado a transformar esse mundo. Afinal, Jesus nos ensinou a pedir “Venha a nós o vosso Reino” e isso significa que Deus quer seu Reino começando aqui e agora, no mundo onde estão os filhas e filhas que Ele tanto ama. 

Que resultados traria uma catequese que cuidasse bem desse tema?

Therezinha Motta Lima da Cruz 

Foi assessora nacional de catequese, é autora de vários livros de catequese e ensino religioso

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