Meditação Evangelho
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08/05/2025 Pe. ADroaldo Palaoro sj Meditação Evangelho Escutar é um ato de amor
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“As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem” (Jo 10,27)

Todo quarto domingo de Páscoa é dedicado ao tema do “Bom Pastor”; embora não tenhamos mais relatos que falem de “aparições do Ressuscitado”, o evangelho deste dia deixa ressoar a voz d’Aquele que vive: “Eu lhes dou a vida eterna”. O tempo pascal é fonte de vida e vida em crescente amplitude.

Nesse sentido, a experiência pascal é uma verdadeira “escola de vida”, cuja aprendizagem nos conduz ao centro de nosso ser, para enraizar nossa vida no coração do Ressuscitado, dele haurir a seiva da vida divina e deixar-nos plenificar pela graça transbordante de Deus. Tomamos consciência de uma dimensão profunda que nos permite experimentar uma outra vida, que supera tudo o que vivemos até então.

A vida, desde o mais íntimo de cada ser humano, deseja ser despertada e vivenciada em plenitude. Vida plena prometida por Jesus. Enquanto “experiência profunda”, o tempo pascal visa despertar nossa vida interior, redescobrindo nossa verdadeira riqueza; ao mesmo tempo, ensina-nos a gerar vida, a partir do “eu profundo”, fazendo-nos viver extasiados diante da gratuidade do amor divino, revelado na Ressurreição de Jesus.

A imagem do Pastor e das ovelhas nem sempre foi bem compreendida; em primeiro lugar, nossa cultura urbana está muito distante da cultura pastoril daquele tempo; em segundo lugar, há uma resistência velada quando se fala de “ovelha” e “pastor”, pois dá a impressão de negar a autonomia e autoria da própria vida. Além disso, esta imagem tem sido aproveitada por muitas “autoridades religiosas” para justificar o poder religioso, controlar e manipular consciências, gerando, na vida cristã, submissão, subserviência, infantilismo e atrofia da própria autonomia. Ser “pastor” não significa “ter poder”, domínio ou imposição sobre os outros. O próprio Jesus se esvaziou de todo poder e combateu com rigor a tendência dos seus discípulos de aspirar poder e prestígio. Ele fundou uma comunidade de amigos e amigas, centrada na vida d’Ele, e entre amigos não há poder ou controle. Na Igreja não pode haver “pastores” que dominem sobre o rebanho, mas líderes servidores, pessoas que animem e deem testemunho, que impulsionem e abram caminhos, buscadores da verdade, fomentadores da vida. O decisivo é pastorear amando.

No centro da vida cristã está Aquele que se revela como o verdadeiro Pastor, porque desperta e ativa a vida dos seus seguidores e seguidoras. Inspirados pela vida oblativa do Pastor Ressuscitado, todos nós devemos deixar emergir a força do amor e do cuidado na relação com todas as pessoas. Nada mais contrário à imagem do Bom Pastor do que hierarquias petrificadas, busca de poder e prestígio que desumanizam, atitudes egocentradas que matam o espírito de iniciativa das comunidades cristãs. Por isso, o evangelho deste domingo insiste na atitude que deve ser comum a todos, independente dos diferentes ministérios na Igreja: “As minhas ovelhas escutam a minha voz”.

Segundo os antigos, “fides ex auditu”, a fé vem pelo ouvido e, por isso, Jesus nos convida a aguçar a nossa escuta: “Quem tem ouvidos para ouvir que ouça!”. Na Sagrada Escritura, o exercício do ouvido, a escuta, é prerrogativa tanto de Deus como do ser humano.

O próprio Deus deixa-se perceber pelo ouvido; faz-se “audível” para o ser humano. É Deus mesmo que abre cada manhã os ouvidos dos seus filhos e filhas e os torna atentos(as) para a escuta. Em toda Palavra de Deus existe sempre um dinamismo que nos desnuda e nos traz à nossa verdade original.

Nós cristãos esquecemos que o dever de escutar nos foi dado por Aquele que é o “ouvinte” por excelência, em cuja obra nós somos chamados a colaborar. A escuta é a ocasião para não viver do passado, porque quem escuta de verdade recebe toda palavra como nova e toda música como recém-nascida.

Falamos, falamos demais, mas escutamos e nos escutamos muito pouco. No entanto, temos dois ouvidos e uma só boca, indicando-nos que deveríamos escutar o dobro do que falamos.

A escuta do “Bom Pastor” consiste, em primeiro lugar, escutar-nos a nós mesmos, isto é, o mais profundo e autêntico de nós, fruto da iniciativa criadora e amorosa do Senhor; trata-se daquele lugar e daquela dimensão profunda de nossa vida pessoal onde ressoa aquela Voz inconfundível do Pastor Vivente. Por isso, não só precisamos aprender a escutar, mas também escutar-nos. Escutar nosso silêncio para poder dialogar com nosso eu profundo, para ver o que há por detrás de nossas palavras, de nossos sentimentos, de nossas atitudes e intenções, de nosso comportamento e vida. É preciso escutar-nos para tentar ir ao coração de nossa verdade, pois, com frequência, repetimos fórmulas vazias, frases ocas, expressões estéreis. Para cultivar o silêncio é imprescindível aprender a calar-nos.

Só poderemos escutar o outro diferente quando nos calamos.

A partir do interior, a atitude de escuta do Mestre se expressa numa atitude de escuta atenta dos outros; a voz do Bom Pastor chega até nós através da voz das pessoas, da criação, da história...

Francesc Torralba assim expressa: “Escutar é um ato de hospitalidade. Consiste em proporcionar um lugar ao outro, em ceder-lhe espaço e um tempo mental e cordial. Escutar é acolher, dar tempo e espaço ao outro, fazer um vazio para que ele permaneça”.

Escutar é um ato de amor, de esvaziamento das próprias ideias e interesses, mas de valorização do outro. Negar a palavra ou a escuta a alguém é ignorá-lo. Saber escutar é o melhor remédio contra a solidão e contra as tensões e conflitos. A melhor atitude para motivar e ajudar uma pessoa é escutá-la. Quando alguém é escutado, ele se sente considerado como pessoa.

Quem não sabe escutar com tempo e paciência, falará sem verdadeiramente “tocar” o outro, sem convencer a si mesmo... Quem crê que seu tempo é muito precioso para ser perdido na “escuta”, não terá tempo para Deus e para o irmão, mas sempre e somente para si mesmo, para suas próprias palavras e preocupações...

No meio da gritaria ensurdecedora do mundo moderno como sintonizar na onda da Voz do Bom Pastor? Como distinguir, no meio de tantas vozes, aquela voz verdadeira que não fala aos ouvidos, e sim aos nossos corações? Jesus não nos pede que sejamos cordeirinhos, mas pessoas adultas e responsáveis por nós mesmos e pelos outros.

Nossa atitude de escuta deve estar antenada na realidade ou nos reduzimos a um mero “ouvir”, sem maiores compromissos. Como ativar uma atitude de escuta, deixando ressoar em nós os clamores que chegam de todos os lados? São diferentes expressões da “voz do Bom Pastor”:  o grito da terra e da ecologia, os movimentos de libertação das minorias marginalizadas, as lutas antirracistas, as iniciativas por outra economia e organização social possíveis e que tenha no centro a preocupação pela vida e nas quais as pessoas e o cuidado da Casa Comum estejam em primeiro lugar... A nossa qualidade de escuta está na disponibilidade em fazer do mundo um lugar habitável, sem primeiros nem últimos, segundo o modo de agir de Jesus.

Texto bíblico:  Jo 10,27-30

Na oração: O Divino Pastor, continuamente vem ao seu encontro e o(a) arranca sua vida dos limites estreitos e atrofiados, expandindo-o(a) em direção a horizontes inspiradores.

Inimiga número um da escuta é a “nomofobia” (dependência excessiva dos meios eletrônicos) que impede a escuta e a comunicação sadia com os outros.

A voz do Pastor não se dirige à multidão anônima, mas é chamado pessoal: cada um tem rosto e nome.

- Que voz você está seguindo?

Pe. Adroaldo Palaoro sj

07.05.2025

 

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