“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13,35)
Vivemos a cultura da imagem; preocupa-nos e nos interessa a imagem que apresentamos, a imagem que os outros tem de nós e a que vemos nos outros. Certas imagens se fazem “virais” em poucos minutos e elas configuram as conversações, as ideias, valores, gostos...
No contexto do Evangelho deste domingo (5º Dom da Páscoa) podemos nos perguntar: como seguidores(as) de Jesus, qual é a imagem que deixamos transparecer em nossa vida? Quê imagem nos identifica? Quê imagem difundimos? Os primeiros cristãos tinham muito claro que havia um sinal através do qual eram reconhecidos. Sua vida, a partir do momento em que se tornavam seguidores de Jesus, era tão distinta que não passava desapercebida. “Vede como eles se amam!”
No evangelho de João, Jesus destaca o distintivo de quem o segue: “o sinal pela qual todos conhecerão que sois meus discípulos será que vos ameis uns aos outros”. Jesus não está na cultura da imagem, do externo, daquilo que brilha superficialmente... Ele nos fala do amor; mas o amor com um estilo próprio: “como eu vos amei”. O sinal dos seus seguidores(as) não é algo que se “pendura no pescoço”, não consiste em tingir tudo de uma determinada cor, repetir determinadas fórmulas ou praticar os mesmos costumes, inclusive piedosos...O que permite descobrir se uma comunidade que se diz cristã é realmente de Jesus não é a confissão de uma doutrina, nem a observância de alguns ritos, nem o cumprimento de algumas disciplinas, mas o amor vivido no espírito de Jesus. Nesse amor está sua verdadeira identidade.
Vivemos numa sociedade onde se impõe cada vez mais a “cultura da troca”; as pessoas trocam mutuamente objetos, serviços e prestações. Com frequência, trocam sentimentos e até amizade. Eric Fromm chegou a dizer que “o amor é um fenômeno marginal na sociedade contemporânea”. Pessoas capazes de amar, no sentido evangélico, são uma exceção. O que predomina, mesmo entre aqueles que se dizem cristãos, é o veneno do ódio, da intolerância, do racismo, da xenofobia...
De fato, para viver hoje o amor cristão (oblativo, gratuito, aberto...), faz-se necessário resistir ao clima pesado que envolve a sociedade atual. Não é possível viver um amor inspirado em Jesus sem distanciar-se do estilo de relações e trocas interesseiras que predomina, com frequência, entre nós.
Se a Igreja está se diluindo em meio à sociedade contemporânea não é só por causa da crise profunda das instituições religiosas. No caso do cristianismo é, também, porque muitas vezes não é fácil ver em nossas comunidades discípulos e discípulas de Jesus que se distingam por sua capacidade de amar como Ele amava. Falta-nos o distintivo cristão.
Como cristãos, falamos muito do amor. No entanto, não atrevemos a dar-lhe seu verdadeiro sentido a partir do espírito e das atitudes concretas de Jesus. Falta-nos aprender que Ele viveu o amor como um modo de proceder ativo e criativo que o levava a uma atitude de serviço e de luta contra tudo o que desumaniza e faz o ser humano sofrer. Cresce entre nós a vivência de uma religião estéril, egóica, sem identificação com o Jesus dos Evangelhos.
Sabemos que, historicamente, os cristãos iniciaram sua expansão numa sociedade na qual havia diferentes termos para expressar o que hoje chamamos amor. Havia muitas formas de amar e sabemos que nem todas estavam em sintonia com o amor vivido por Jesus.
A palavra mais usada era “filia”, que designava o afeto para com uma pessoa próxima e se empregava para falar da amizade, do carinho ou do amor aos parentes e amigos. Falava-se também de “eros” para designar a inclinação prazerosa, o amor apaixonado ou simplesmente o desejo orientado para o prazer e satisfação sexual.
O amor que Jesus nos ensinou com sua pregação e com sua vida era tão novo que os cristãos tiveram que buscar no vocabulário uma expressão que se aproximasse dessa nova maneira de amar. Não queriam que o amor inspirado por Jesus fosse confundido com qualquer outra coisa. Começaram a reservar a palavra “ágape” para designar esse amor que, a partir de então, seria o sinal de identidade dos seguidores do Mestre. Um amor que não nasce do dever, mas da compreensão profunda e da identificação com todos os seres. Um amor que se expressa na inclusão universal e no serviço.
Daí a intenção em formular bem o “mandamento novo do amor”: “eu vos dou um novo mandamento, que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”.
A maneira de amar de Jesus revelou-se inconfundível. Jesus transitou e ensinou o caminho do amor. E é isso que os Evangelhos mais ressaltam na pessoa de Jesus: sua extraordinária capacidade para amar, para dar e receber amor. Ele não se aproximava das pessoas buscando seu próprio interesse ou satisfação, sua segurança ou bem-estar. Só desejava fazer o bem, acolher, mostrar compaixão, oferecer amizade, ajudar a viver... É assim que Ele será recordado pelos primeiros cristãos: “Passou toda sua vida fazendo o bem”.
Nesse sentido, seu amor tinha um caráter serviçal; amor que se fazia serviço e o serviço vivido com amor. Jesus se colocava a serviço daqueles que mais precisavam. Abria espaço em seu coração e em sua vida para aqueles que não tinham lugar na sociedade e na religião daquele tempo; defendia os fracos e pequenos, os que não tinham poder para se defenderem por si mesmos, os que não eram grandes ou importantes; aproximava-se daqueles que estavam sozinhos e desvalidos, daqueles que não conheciam o amor e a amizade.
Todas as pessoas cabiam em seu coração, mas de um modo especial os últimos, os pequenos, os pobres, os excluídos, os simples a quem o Pai lhes revela os segredos do Reino; tudo isso fazia Jesus vibrar intensamente. Ele fez do amor o único necessário, a razão de sua vida e entrega e, por isso, pode ensinar com autoridade, revelando que ganhamos ou perdemos a vida em função de que tenhamos ou não amado.
O(a) seguidor(a) de Jesus não se caracteriza por pertencer a uma determinada religião, nem por doutrinas, nem ritos, nem normas morais..., mas por sua capacidade de amar. Ser seguidor(a) de Jesus, portanto, é uma questão de amor; é viver no “fluxo do amor” que tem sua fonte no coração do Pai. Trata-se do amor “ágape”, o amor superabundante, o amor de gratuidade, o amor que transborda, que nada pede em troca. Amar sem ter nada de particular para amar. Amar não a partir de nossa carência, mas amar a partir de nossa plenitude. Amar não somente a partir de nossa sede, mas amar a partir de nossa fonte que corre.
Não podemos esquecer que o amor é um sentimento nobre e divino, que é preciso ativá-lo, pouco a pouco, ao longo da vida; muitas vezes, damos por suposto que o ser humano sabe amar espontaneamente. Por isso, é possível detectar tantos erros e tanta ambiguidade nesse mundo misterioso e atrativo do amor.
Nesse sentido, o “novo mandamento”, vivido e proclamado por Jesus, é um convite a viver o que somos (nossa essência), conectados com o Mistério amoroso que tudo anima e sustenta. O amor que Jesus nos pede deve surgir de dentro, não se impõe de fora como se fosse uma lei. Mais que um simples preceito, o Amor é atitude permanente de vida; tal como uma fonte, ele jorra continuamente de nosso interior, gerando vida ao nosso redor.
Todos nós, criados à imagem e semelhança do Deus Amor, carregamos a “faísca do amor”, que deve ser ativada na relação com os outros e com o próprio Deus. Na medida em que vamos conhecendo e vivendo nosso verdadeiro “eu”, o amor vai abrindo caminho e nós vamos nos parecendo mais e mais com o Deus que é puro Amor.
Texto bíblico: Jo 13,31-35
Na oração: O Amor originante e fontal de Deus lhe envolve permanentemente; marcado pela gratidão, queira entrar em sintonia, “ajustar-se” ao modo de amar de Deus: amor descendente, amor sem fronteiras, oblativo, aberto, e que se “revela mais em obras do que em palavras”.
- Movido pelo Amor transbordante de Deus, entre no fluxo desse Amor criativo, “descendo” à realidade cotidiana e ali deixando transparecer esse mesmo Amor através de suas obras.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
15.05.2025